quinta-feira, agosto 14, 2008

Nada como um bom debate

Mais boas duas posições sobre o uso de matemática em economia.

Sobre Matemática II no Preço do sistema

e o comentário do Rafael Guthmann abaixo:

"Bem, o primeiro problema que vc colocou não é um problema relacionado com a economia, pelo menos não à economia como foi entendida por Mises e Hayek.

O segundo problema que vc colocou, sobre a lei das falências, é um problema que não pode ser resolvido através da matemática porque esbarra no problema do conhecimento. Ou seja, não é possível se projetar uma lei ótima devido a imensa complexidade do problema e a impossibilidade da compreensão dos economistas que fazem o modelo de toda a estrutura do problema com que eles estão lidando. É mais fácil fazer um modelo matemático que simule com sucesso o comportamento de um indivíduo numa conversa (algo que é completamente impossível de ser realizado no presente). Na verdade é uma grande falácia pensar que é possível projetar matematicamente leis eficientes. O mesma problema ocorre na política macroeconômica. A economia matemática moderna ainda não consegue explicar a existência de moeda, nem um efeito cantillon que deriva da existência da moeda, muito menos os problemas de complexidade praticamente infinita que emergem quando se tenta prever as conseqüências da emissão de moeda no sistema econômico. Se o mainstream quiser compreender a moeda, a primeira coisa que eles devem fazer é se livrar da hipótese de maximização de utilidade

E uma coisa que distingue as escolas de pensamento econômico não é só porque elas dão respostas diferentes para a mesma pergunta, porque também porque elas buscam responder perguntas diferentes. A escola austríaca não busca responder as perguntas que precisam de matemática para serem resolvidas, na verdade o tipo de pergunta que precisa de matemática para ser resolvida não é o tipo de pergunta que a ciência econômica lida.

E a escola austríaca ainda mantem sua posição contra o uso de matemática na economia até hoje. Posso chutar que Mises e Hayek também manteriam o mesmo posicionamento que mantinham 60 anos atrás, a matemática evoluiu, mas eu diria que o entendimento da natureza dos problemas econômicos pelos economistas matemáticos pode ter até regredido nesse período de tempo.

E eu não acho que o uso de matemática ajude na compreensão dos problemas econômicos, na verdade ela prejudica, porque a linguagem verbal é muito mais prática. Quando eu leio um livro de economia que utiliza matemática noto que se perde muito tempo só na matemática, muitas vezes nem se toca na economia."

Agora a minha resposta, primeiro ao comentário no Preço do Sistema.

O primeiro ponto é sobre ter Kizner ter dissecado praticamente tudo sobre o processo de mercado. Posso dar uma série de exemplos aonde existem diferentes dinâmicas de processos de mercado que ainda não foram suficientemente explicados por qualquer abordagem econômica. Por exemplo o processo de formação de preços em mercados incompletos.

Não acredito que exista uma visão generalizada dos econometristas ou economistas que economia seja apenas previsão. Conforme a própria visão da Econometric Society (que foi fundada por Schumpeter, que não era exatamente o modelo de economista matemático):

"The Econometric Society is an international society for the advancement of economic theory in its relation to statistics and mathematics. ".

Isso é muito mais amplo que previsão. Por exemplo veja uma lista dos artigos publicados na Econométrica - a maior parte deles aborda problemas de teoria econômica, e uma parte menor dos artigos problemas econométricos.

Uma resposta em especial ao seguinte comentário.

"Quanto a idade das obras dos autores austríacos, na época que Mises escreveu a maioria de seus livros a econometria e teoria dos jogos já existia. A praxeologia rejeita a matemática a priori e não há espaço para uma mudança. Não é porque algo é antigo que deve ser considerado como desatualizado;"

Se a praxeologia rejeita a matemática a priori e não há espaço para uma mudança, então isso não se trata de discussão científica, e sim dogma religioso. E assim não é possível discutir nada. A econometria e a teoria dos jogos da época de Mises são uma sombra perto do que existe atualmente, e isto é seu principal ponto forte.

Ao invés de se prender a autores canônicos (e esta crítica vale para basicamente todos os heterodoxos) , a formalização matemática permitiu que a ciência econômica ampliasse enormemente seu escopo, permitindo tratar de problemas cada vez mais complexos. E o fundamental é que o uso de ferramentas estatísticas permite colocar as teorias e proposições em confronto com a realidade, e pela rejeição de hipóteses e proposições, novos modelos mais adequados são desenvolvidos.

Quanto a ser antigo não implicar em ser desatualizado, em alguns casos isso realmente acontece. Posso pensar por exemplo na teoria da relatividade de Eistein; mas ao mesmo tempo note que a relatividade geral derrubou a teoria Newtoniana. Na maioria absoluta das ciências ocorreram enormes avanços nos últimos 50 anos (química, biologia, matemática, probabilidade e em especial economia).

Quanto a economistas se esconderam atrás da matemática, posso citar uma lista enorme de economistas que se escondem atrás dos mandamentos de seus sábios. Nesse caso prefiro a matemática, cujas proposições são facilmente testáveis, tanto em termos de consistência interna quanto de confronto com os dados.

Agora a resposta ao Rafael

O primeiro problema pode não ser um problema econômico como formulado por Mises e Hayek, mas é um problema econômico relevante tanto em termos práticos como teóricos. E não são um problema nessa visão de economia porque a abordagem verbal é tão limitada que nem mesmo um problema simples como esse pode ser tratado.

Da mesma forma veja o problema de falências. Se ele não pode ser tratado pela visão austríaca por ser complexo demais, então ele deve ser ignorado? Note que mesmo confiando na capacidade do mercado, existe um problema de design de instrumentos e instituições que não pode ser ignorado. O problema da lei de falências foi colocado exatamente por ser um ponto aonde o ferramental matemático (em especial nas contribuições do Aluísio Araújo e seus alunos) permitiu um avanço enorme em relação a legislação atual.

Quanto a idéia da existência de moeda não ser resolvida pela teoria macroeconômica, existem uma série de formulações que explicam a existência de moeda. Algumas bastante instrumentais, como por exemplo a idéia de moeda na função utilidade, mas em outras formulações a moeda serve como forma de resolver problemas de fricções de mercado, o que é bastante realista.

Outro ponto importante sobre moeda é que a visão puramente quantitativa de emissão de moeda é algo bastante desatualizado. Política monetária moderna em geral é realizada via gestão de taxas de juros, um problema que envolve uma enorme necessidade de formalização matemática e estatística.

Se esse é um problema que a economia não deve tratar na visão austríaca, já que exige um ferramental matemático, então os problemas que podem ser tratados por esta visão são tão limitados que sua relevância é nula. O que ajuda a explicar o fato da visão austríaca ser basicamente ignorada na ciência econômica moderna. Se ela não pode tratar dos problemas relevantes, qual sua importância?

E sobre a matemática atrapalhar a leitura dos textos econômicos, isso pode ser explicado pela origem de toda esta discussão - o fato da formação matemática dos economistas ser péssima. E assumir que podemos abdicar desta formação só torna este problema mais complicado.

Para concluir - no texto original do preço do sistema havia o seguinte comentário:

"É importante ressaltar que todas as operações matemáticas são adições, mesmo que codificadas. A mais complicada equação é apenas uma operação de adição codificada."

Só temos sete notas básicas na música; mas compor uma sinfonia como Der Ring des Nibelungen ou uma obra genial como A Love Supreme é muito mais que unir sete notas.

1 Comments:

Blogger Rafael Guthmann said...

[i]E não são um problema nessa visão de economia porque a abordagem verbal é tão limitada que nem mesmo um problema simples como esse pode ser tratado.[/i]

Bem, vc poderia explicar porque vc acha que a linguagem verbal é mais limitada do que a linguagem matemática? Me parece que vc se baseia nisso como se fosse um fato.

Existem 2 tipos de economia matemática com que estamos lidando, a teórica e o tipo utilizado para realizar previsões. Trato primeiro da teórica.

Um professor que eu tive defendeu o uso de matemática ao invés de linguagem verbal porque a linguagem matemática torna a formulação teórica imune a erros de lógica interna e também porque facilita o entendimento do ponto de vista dos outros economistas.

Eu digo que embora essas vantagens realmente existam, existem as seguintes desvantagens: 1- A linguagem matemática é mais pesada que a linguagem verbal, é mais difícil escrever uma idéia usando linguagem matemática do que linguagem verbal, e é mais difícil ler um artigo que fala sobre a mesma idéia usando linguagem matemática do que verbal. A matemática é uma forma ineficiente de transmitir conhecimento. 2- O uso de matemática tende a tornar populares as teorias matematicamente mais simples e não as teorias mais realisticas. Distorcendo a teoria econômica, um exemplo é toda a teoria macroeconômica, como modelos IS-LM e cia, que são lixo pseudo científico, mas é fácil de usar.

Em relação as previsões: A economia não é uma ciencia exata porque a ação humana não está determinada como o movimento de uma pedra no ar. Isso significa que a matemática não deve ser usada na economia para fazer previsões quantitativas, tanto que é mais do que óbvio que as tentativas de prever matematicamente o comportamento do mercado são tão ruins quanto as previsões feitas no instinto mesmo.

E a economia moderna não explica a moeda. Todo mundo sabe disso, já que se assumirmos que os agentes maximizam a utilidade, eles não vão demandar encaixes de moeda, porque com os recursos são perdidos na acumulação de encaixes. Sim vc pode dizer que a moeda está na função de utilidade, mas isso equivale a assumir que existe um bem chamado moeda e não que as pessoas demandam algo que deriva seu valor da sua capacidade de ser aceita em troca de outros bens. São duas coisas completamente diferentes.

Nos modelos econômicos de hoje a moeda não emerge espontaneamente, mas tem que ser introduzida conscientemente no modelo. O problema é que vc não explica a moeda se assume que ela exista (direta ou indiretamente). Só se a economia matemática progredir e montar modelos dinâmicos onde a moeda emerge espontaneamente com a passagem do tempo que a moeda finalmente vai ser explicada pela economia ortodoxa ( se isso ocorrer a economia matemática vai chegar no nível que estava a economia do menger em 1890).

E para explicar a moeda a economia ortodoxa terá que abandonar parcialmente a hipótese de maximização de utilidade.

7:29 PM  

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