quarta-feira, agosto 13, 2008

Matemática como uma linguagem

No Preço do Sistema está colocada uma discussão bem interessante sobre o uso de matemática em economia. O ponto principal é que a matemática seria apenas uma linguagem mais sofisticada, mas basicamente seria apenas uma forma de escrever idéias, e na visão austríaca o uso de matemática simplificaria demais as idéias econômicas.
Será mesmo uma simplificação ? Acho que o uso de matemática seja necessário no contexto de problemas que são excessivamente complicados para serem tratados apenas com lógica básica.
Posso dar uma lista de problemas que não podem ser tratados com lógica básica, e por isso necessitam de ferramentas mais complexas.
Por exemplo em finanças, suponha que um agente tenha um problema de gerenciamento de taxas de juros (uma área com muitos insigths importantes dos economistas austríacos), como por exemplo tenha um fluxo de caixa fixo, esteja endividado em uma taxa de juros (nominal) flutuante e parte dos seus fluxos de caixa esteja em uma moeda estrangeira. Pense na complexidade do problema - toda a aleatoriedade nas taxas de juros, da taxa de inflação (já que estamos interessados em taxas reais) e da taxa de câmbio. Não vejo como resolver esse problema sem o uso de matemática mais sofisticada.
Exemplos em economia são da mesma magnitude. Pense por exemplo no design ótimo de uma lei de falências. Como criar os incentivos e punições corretos nesse problema? Basicamente toda os problemas intertemporais não podem ser resolvidos com lógica simples. Mesmo problemas que parecem mais simples, podem ter soluções bastante contra-intuitivas com o uso do ferramental complicado. Por exemplo a questão da forma ótima de financiamento do déficit público - é melhor financiar o déficit via emissão monetária ou via emissão de títulos ?
Em todos estes problemas são assumidos pressupostos - por exemplo um processo estocástico para a taxa de juros, câmbio, inflação ou o mecanismo de formação dos agentes no caso do problema de gestão do déficit. E obviamente as soluções não são perfeitas em todas as situações.
Mas elas permitem uma solução (ótima dentro de um limite dado pelos pressupostos).
Acho que a melhor intuição vem da idéia de precificação por não-arbitragem. Não faz sentido assumir que os agentes são irracionais e não aprendem, isto é, em uma transação financeira um agente entra nesta transação para ter uma perda certa. Se isto é certo, ele não aceita a transação e um novo ponto de equilíbrio é necessário.
A idéia de equilíbrio é muito menos forte do que parece. Pense por exemplo em um mercado de ações dentro de um dia. Cada transação realizada é um ponto de equilíbrio, mas durante o dia os preços se movem para ajustar a chegada de informações, e assim temos uma sequência de equilíbrios. Dessa forma qualquer oportunidade de arbitragem deve ser rapidamente eliminada do mercado. E só lembrando que com matemática mais sofisticada podemos tratar de problemas mais complicados - por exemplo é possível mostrar que existe precificação por não-arbitragem em um conjunto muito realista de situações - por exemplo custos de transação, informação diferenciada e agentes heterogêneos.
E para resolver estes problemas precisamos de muito mais que uma boa intuição - por exemplo Guasoni, Rasonyi e Walter Schachermayer - The Fundamental Theorem of Asset Pricing for Continuous Processes under Small Transaction Costs . Note que a teoria inicial de precificação por não-arbitragem assumia mercados sem fricções - não porque os mercados sejam assim, mas pelo fato que a matemática da época não permitia uma construção mais complexa e próxima da realidade. E note que esta matemática não é realizada em um problema abstrato - esses problemas são essencialmente práticos.
Um ponto importante é notar que o ferramental matemático e os problemas econômicos existentes na época da formulação dos textos clássicos dos autores Austríacos mais importantes eram muito mais simples dos que os existentes hoje. Por exemplo é uma grande tolice assumir que a matemática usada em economia seja apenas o cálculo diferencial Newtoniano. Todos os grandes avanços estão relacionados ao uso de métodos probabilísticos, isto é, colocar a aleatoriedade e a incerteza dentro de modelos econômicos.
E note que algumas críticas simples a estas idéias são derrubadas rapidamente - por exemplo podemos trabalhar com probabilidades subjetivas (usando métodos de inferência e teoria da decisão bayesiana) e não apenas probabilidades objetivas (frequentistas). Ou então problemas aonde existe incerteza forte (os agentes não conseguem atribuir probabilidades únicas aos conjuntos de eventos) usando ferramentas como utilidades esperadas de Choquet.
Matemática é apenas uma ferramenta, mas que permite obter soluções para problemas complexos que não podem ser resolvidos apenas usando linguagem e lógica simples.
Colocando de outra forma, precisamos da matemática porque nossa racionalidade é bastante limitada.

2 Comments:

Blogger Unknown said...

Agora fiquei curioso com o exemplo do fluxo de caixa. Tem artigos/livros sobre esse assunto?

10:47 AM  
Blogger Rafael Guthmann said...

Bem, o primeiro problema que vc colocou não é um problema relacionado com a economia, pelo menos não à economia como foi entendida por Mises e Hayek.

O segundo problema que vc colocou, sobre a lei das falências, é um problema que não pode ser resolvido através da matemática porque esbarra no problema do conhecimento. Ou seja, não é possível se projetar uma lei ótima devido a imensa complexidade do problema e a impossibilidade da compreensão dos economistas que fazem o modelo de toda a estrutura do problema com que eles estão lidando. É mais fácil fazer um modelo matemático que simule com sucesso o comportamento de um indivíduo numa conversa (algo que é completamente impossível de ser realizado no presente). Na verdade é uma grande falácia pensar que é possível projetar matematicamente leis eficientes. O mesma problema ocorre na política macroeconômica. A economia matemática moderna ainda não consegue explicar a existência de moeda, nem um efeito cantillon que deriva da existência da moeda, muito menos os problemas de complexidade praticamente infinita que emergem quando se tenta prever as conseqüências da emissão de moeda no sistema econômico. Se o mainstream quiser compreender a moeda, a primeira coisa que eles devem fazer é se livrar da hipótese de maximização de utilidade

E uma coisa que distingue as escolas de pensamento econômico não é só porque elas dão respostas diferentes para a mesma pergunta, porque também porque elas buscam responder perguntas diferentes. A escola austríaca não busca responder as perguntas que precisam de matemática para serem resolvidas, na verdade o tipo de pergunta que precisa de matemática para ser resolvida não é o tipo de pergunta que a ciência econômica lida.

E a escola austríaca ainda mantem sua posição contra o uso de matemática na economia até hoje. Posso chutar que Mises e Hayek também manteriam o mesmo posicionamento que mantinham 60 anos atrás, a matemática evoluiu, mas eu diria que o entendimento da natureza dos problemas econômicos pelos economistas matemáticos pode ter até regredido nesse período de tempo.

E eu não acho que o uso de matemática ajude na compreensão dos problemas econômicos, na verdade ela prejudica, porque a linguagem verbal é muito mais prática. Quando eu leio um livro de economia que utiliza matemática noto que se perde muito tempo só na matemática, muitas vezes nem se toca na economia.

8:38 PM  

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